A EXD nasce de uma dívida de gratidão com a comunidade. Mais especificamente, com o Clube do Opala de Fortaleza.
Em 2016, durante a feira Autop, eu trabalhava no marketing da Dana, uma grande fabricante de autopeças, pioneira em eixos diferenciais leves no Brasil. Recebemos a visita, no estande, de dois membros do Clube do Opala de Fortaleza. Eles tinham um pedido direto e simples: comprar um eixo diferencial novo para seus Opalas.
Tive que dar a resposta padrão da indústria: fabricantes de autopeças não vendem eixos completos, muito menos diretamente ao consumidor final. O modelo tradicional é outro, pensado para grandes volumes, grandes distribuidores e canais estruturados para atender oficinas, não pessoas físicas.
Eles então explicaram a realidade deles: o ferro-velho era praticamente o único caminho. Caro, demorado, com disponibilidade incerta e sem controle de qualidade. Na prática, o sonho de rodar com segurança e tranquilidade dependia de garimpar sucata.
Aquela conversa ficou na minha cabeça.
Na volta à matriz, levei o assunto à Diretoria. Houve interesse, mas logo surgiu a pergunta que trava quase todas as boas ideias em empresas grandes: “Como operacionalizar isso?”. O tema foi parar na pasta “Projetos Especiais”, na subpasta “Quem sabe um dia”.
Do insight ao primeiro projeto
Em 2017, com a chegada de um grande e experiente executivo do mercado de reposição, o Carlos Dourado (ex-Eaton), para liderar o time de Aftermarket, resolvi insistir. Em uma de nossas conversas, apresentei a ideia com mais coragem: havia um potencial de mercado claro, uma ausência total de solução estruturada e uma oportunidade de testar modelos de venda mais diretos.
Ganhei um parceiro.
Nasceu ali o projeto Dana 44 Vintage Fever. O Dourado é ótimo de nomes, não é de hoje. Era um projeto inovador no mundo inteiro: oferecer um eixo novo e completo para um público apaixonado por carros clássicos. Mas logo apareceram as barreiras que até hoje fazem desse negócio algo bem mais difícil do que parece, quem não trabalha na indústria não imagina:
volumes menores do que a indústria está acostumada
cadeia de suprimentos preparada para grandes lotes, não para séries curtas
modelo de venda desenhado para distribuidores, não para pedidos unitários de um produto grande, pesado e de alto valor
A Dana, como a maioria das grandes empresas de autopeças, não vende para CPF. Vende para CNPJ, em volume. E os distribuidores não têm interesse nem estrutura para lidar com demandas unitárias de um produto desse tipo, que requer atenção, suporte técnico e um processo de venda mais consultivo.
A demanda existia, o primeiro lote de eixos foi todo vendido. A vontade também. Mas a máquina não era feita para isso. O projeto não ganhou a tração que esperávamos, por limitações estruturais da cadeia, dificuldade de diluir custos em baixo volume e pelo desafio de vender via oficinas que nem sempre conseguiam absorver o investimento ou oferecer parcelamento compatível com a realidade do dono de carro antigo.
Pensei até em sair da empresa e montar esse negócio por conta própria. Mas não foi este o caminho que preferi seguir.
A segunda tentativa e o choque com a realidade corporativa
Três anos depois, um novo ciclo começou. Um executivo inovador, “prata da casa”, assumiu a área: o Marcelo Rosa, que havia sido estagiário da Dana e passou por grandes empresas do setor. Com ele, retomamos a ideia, desta vez com uma peça-chave a mais: a possibilidade de venda direta, algo que vinha sendo desenvolvido internamente há mais de um ano.
Vender para CPF, em uma empresa acostumada a vender apenas para CNPJ, não é uma simples mudança de campo em um sistema. Envolve:
Um volume muito maior de novos documentos que a empresa está acostumada a lidar (uma nota fiscal para cada venda unitária, frete, pagamentos)
revisão profunda do fluxo de pedidos e recebimentos
tesouraria adaptada para ticket médio alto e baixo volume, pagamentos através de um novo canal
ajustes no sistema de gestão, fiscal, jurídico, políticas de venda e garantia
alinhamento com engenharia, logística, atendimento…
Foram meses de trabalho, com cerca de 20 pessoas envolvidas. Estávamos a um passo de tirar o piloto do papel quando veio uma decisão global: mudança do sistema de gestão da empresa. Na nova arquitetura, vender para CPF novamente deixava de ser uma opção. Uma demanda específica do Brasil, e de baixo volume, com maior complexidade não fazia sentido.
E já havia um novo lote de eixos produzidos em Sorocaba, aguardando um caminho até o cliente final.
Tentamos uma alternativa via canal tradicional: uma parceria com um grande distribuidor, a Barros, em Mogi, por meio da iniciativa de varejo Lauto. Vendemos eixos, sim, mas sem a escala e a cadência necessárias para sustentar um programa estruturado, capaz de entregar o potencial que víamos.
Mais uma vez, pensei seriamente em sair e montar o negócio. E, mais uma vez, ainda não era a hora.
A virada: ajuda de quem sabe fazer
Em 2024, após uma reestruturação global, encerrei minha jornada na Dana, após 26 anos de casa. Foi uma carreira intensa, rica, cheia de aprendizados. E, ao pensar nos próximos passos, aquele tema voltou com força total. Na verdade, nunca havia saído do meu coração.
Os nós continuavam ali: manufatura de baixa escala em um mundo desenhado para grandes volumes, modelo de atendimento personalizado em um ambiente de processos rígidos, um fan market de apaixonados sem uma boa alternativa para atender a uma demanda real, travado diante de estruturas industriais pensadas para grandes volumes e grandes montadoras.
Foi aí que veio a virada: em vez de tentar resolver tudo sozinho, resolvi pedir ajuda a quem sabe fazer. Comecei a conversar com meus ex-colegas, gente com profundo conhecimento em gestão, engenharia, manufatura, logística, finanças e vendas. Muitos já aposentados, outros nem tanto, mas todos com uma coisa em comum: brilho nos olhos ao ouvirem a ideia.
A partir dessas conversas, surgiu a base da EXD.
O que a EXD quer ser
A EXD nasce justamente para fazer aquilo que é quase impossível dentro de uma grande empresa:
atender individualmente, com nome, sobrenome e respeito pela história por trás de cada carro
permitir customização de configuração dentro de padrões técnicos seguros
entregar um produto completo, pensado para simplificar a vida de quem instala e de quem dirige
construir um modelo de parceria com oficinas que gere valor para todos e crie escala a partir da comunidade, não apenas do volume
Nosso foco é um fan market: pessoas que veem seus carros clássicos não como bens, mas como parte da própria identidade. Gente que cruza estradas para ir a um encontro, que passa horas debatendo a configuração do diferencial e que conhece, pelo som ou pela direção, quando algo no carro não está certo.
O nosso jeito de operar é de codesenvolvimento: a EXD traz a experiência acumulada na indústria de eixos para veículos originais e no aftermarket; a comunidade traz a vivência real da rua, da pista, dos encontros de fim de semana e da oficina do dia a dia. A partir daí, ajustamos juntos. Com humildade para ouvir, testar, corrigir e melhorar.
O programa piloto e o espírito de comunidade
O programa piloto que estamos montando é, acima de tudo, uma etapa de escuta e de validação de premissas. Queremos entender, em detalhes, a visão do proprietário e do instalador parceiro:
O que faz diferença de verdade na hora da compra
Quais são os medos, as barreiras e os “traumas” com soluções mal resolvidas
Que tipo de suporte e pós-venda gera confiança
Como estruturar uma rede de oficinas parceiras que se beneficie com o programa e cresça junto
Por isso, lançamos duas pesquisas, abrindo canais de diálogo com potenciais clientes e instaladores parceiros e trazendo esse espírito de cocriação para o centro da EXD. Não é um produto empurrado de cima para baixo; é uma construção conjunta.
Eu não esqueço do brilho nos olhos dos dois colegas do Clube do Opala, de Fortaleza, naquela Autop de 2016. Nem do primeiro evento de Opaleiros de que participei com o Dourado em Guararema, em 17 de setembro de 2017, quando montamos a barraca do Dana 44, colocamos o eixo em display e passamos o dia inteiro conversando com cúmplices desse amor tão forte quanto difícil de explicar por um carro clássico.
Nem esqueço do evento com o clube de Jundiaí, na planta da Dana em Sorocaba, em 2023: o senso de comunhão, a paixão que não raramente vai além da razão, o orgulho do carrão bem cuidado.
Poder contribuir para a manutenção desse sonho é o que nos move. Precisão na estrada. Propósito para as pessoas.
Estamos construindo, juntos, a EXD: uma iniciativa que nasce da experiência de profissionais de gestão, engenharia, logística, finanças, marketing e vendas, mas, principalmente, nasce com a ambição de estar conectada com a comunidade que nos inspira e nos desafia.
Não é um caminho fácil. Se fosse simples, já teria muita gente fazendo. As barreiras são reais: técnicas, operacionais, financeiras e até culturais. Mas é justamente aí que está o nosso diferencial (e o trocadilho é intencional): sabemos o tamanho da encrenca e, ainda assim, escolhemos encarar o desafio lado a lado com quem mais entende desse universo.
Contamos com a sua ajuda para fazer melhor: sugerindo, criticando, testando, instalando, rodando e contando para nós o que funcionou e o que precisa melhorar. Aprendi, na prática, que quando a gente tem coragem de dividir o problema e pedir ajuda, o sonho compartilhado fica mais forte.
É assim que a EXD nasce: da combinação entre experiência técnica, respeito à comunidade e a certeza de que ninguém constrói algo relevante sozinho.